quarta-feira, 31 de agosto de 2011

As cartas que não mandei I

O Corpo dele pesava sobre o dela. Isso era o menos importante. O que ela gostava era do som que ele emitia. Sincronizado com o movimento do corpo dele. Entrava e saia do dela. Era a música que saia dos corpos nus. Logo ele que musicava palavras era capaz de fazer com que a mais bela melodia saísse de sua respiração cansada, do instinto animal.Era a canção que saindo de um corpo, extasiava outro.

Ela podia resistir ao seu toque suave, à voz doce. Podia resistir ao corpo que se encaixava no seu. Resistiria até ao jeito que ele alisava seus cabelos. Lutaria contra o desejo que os unia. Só não era forte o bastante para resistir ao ofegar dele. Como era gostoso ouvi-lo ofegar. Era a melhor parte do sexo. Já nem se lembra se ela fazia silêncio. Se ela calava era para que a respiração dele ecoasse por todos os cantos do quarto.

Aquele ofegar fazia com que ela esquecesse a falta de tempo, a correria, a vida que seguiu e segue todos os dias. Tirava dela o peso do mundo. Conseguia ser melhor que Chico e Caetano, mais sexy que Gotan Project. Era a música dos anjos se anjos existem. A harpa dos deuses se é possível acreditar em deus. O melhor de tudo, ele era humano, sensual, carnal, sexual. Pra ela, era divino ser humana com ele. Era sublime estar na cama dele.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Pelo direito à dignidade de ser ao menos uma puta

Se ao menos me tratasse com a dignidade de uma puta
Eu receberia dinheiro em vez de lamentações inúteis
Eu teria lido o que escreveu e até sorrido com ternura
Teria achado bonitinho

Se eu merecesse ser uma puta em sua vida
Honra que já estaria de bom tamanho para os meus “quereres”
Ah, aí eu me faria!
Me revelaria a grande dama da noite que jamais fui por inteira
Isso se eu olhasse quando gritasse “puta!”

Ah...Eu devia ter olhado, ter atendido seu chamado!
Devia ter usado aquele vestidinho de veludo vinho
Calçado aquele salto agulha
Devia ter retocado meu batom vermelho
E ter posto aquelas argolas esquecidas na minha gaveta

Quisera eu ser puta, ser garota de programa, ser piranha
A vantagem de poder rebolar pelas esquinas da vida
Ou tropeçar e cair nas poças da sarjeta
Vender meu único bem físico
Em troca de algum aluguel de mixaria numa daquelas ruazinhas do centro

Podia eu ser uma piranha da Lapa
Fiel ao meu trabalho, à minha “vocação”
De tão centrada, quase registrada
Daquelas que cobram 20 por uma gozada
E que só passam dos 50 para os gringos

Vadia, galinha, vagabunda, uma mulher da vida
Ou do julgasse ser uma vida
Sem beijos e sem medos
Sem tudo
E com nada

Uma puta digna
Trepando em carros, espeluncas e ruas levemente movimentadas
Com homens casados, mulheres, tarados, operários e psicopatas...
Sorrindo da safadeza alheia que só refletisse a dos meus olhos
Levando tapinhas na bunda e sendo chamada de cachorra
Recebendo puxões de cabelo e tapas na cara

Céus, que sonho lindo poder ser tratada com tanto esmero
Ser respeitada com toda a indiferença que merecesse
Não ser mencionada
Ter meu nome esquecido
Nome falso e perdido
Nunca passar de uma foda
E uma que foda que não fosse nem tão foda


Pra poder chegar em meu quartinho alugado
Como toda boa puta
Já pela metade da manhã
E poder tomar um banho depois de uma fila para o banheiro
Vestir uma roupa com cheiro de mofo e beijar meu travesseiro
Gasto
Mas fofo o suficiente para abafar minha sessão de choro diária
Soluçando para os ácaros até que a exaustão me tomasse pra si

Cansaço de ser tão do mundo, de tantos mundos
Que me fizesse esperar a noite e a madrugada inteira pra me roubar pra mim
Me roubar de mim
E me entregar a Morfeu
Porque se sou inteiramente minha eu não consigo realmente me pertencer
Então me protejo dentro de meus sonhos
Lá, onde as coisas possíveis realmente são possíveis
E onde eu pertenço a um só homem

Que me ouve pedir pra ser tratada como puta
Que me vê cair aos seus pés exigindo punições
Numa tentativa desesperada de obter o mínimo de compaixão inversa
E recebe em troca amor
O seu amor
Sendo tocada como a última mulher do planeta
E sendo amada como a mulher de sua vida.

Hoje eu vou te fazer feliz

Era preciso mais uma dose de coragem. Porque minha taça está vazia e o bar já está prestes a fechar. Daqui eu não saio sem minha força. Sóbria eu não lembro o caminho de casa.

Levanto o braço e peço mais uma. O indicador aponta para o céu (queria chamar a atenção). Em seguida, aponto para a taça vazia, sob o rosto levemente interessado do garçom. E lanço aquele meu olhar doce e alcoolizado de “quero mais”. Ao que tudo indica, funciona bem. Ele se retira e algo em seus gestos me faz acreditar que meu desejo será realizado.

Eu posso pagar e isso também me ajuda a crer que terei o que quero. Eu sei que posso e eles também sabem, é evidente. Canetas e bebidas são sempre minhas prioridades, sempre. A felicidade da taça cheia e do instrumento de trabalho presentes em cima de uma mesa é realmente o que mais me tranqüiliza neste mundo.

E a alegria tem seu momento de auge assim que posso ver o rapaz com uniforme tradicional se aproximar, trazendo consigo a minha nova taça. Taça limpa, gelada, com gotinhas por fora e paixão líquida por dentro. Agradeço, verdadeiramente grata, então abaixo a cabeça e sorrio pra ninguém.

Mais uma noite de repensadas subjetivas. Uma madrugada que se arrasta por entre os goles fartos. Porque nunca fui de beber devagar, comer devagar, andar devagar, demorar pra gozar... E é através desse líquido de sangue de uva que eu fortaleço as minhas agilidades.

Olho para a pilastra ao lado da mesa e me sinto linda diante do espelho agradavelmente manchado. Me sinto privilegiada por estar neste corpo esta noite, embora eu não faça idéia de quem ele pertença na realidade e muito menos onde o meu deve estar neste momento. Aproveito para retocar o batom e limpar a mancha preta que naturalmente escorre dos meus olhos.

“Hoje eu sou Cleópatra aos 17 e nada pode me impedir de devorar o mundo”. Não sei se cheguei a pronunciar essas palavras ou se apenas pensei. Fico na dúvida por 37 segundos e deixo pra lá. Entre as reflexões sem conotação sexual ou amorosa e a descoberta do espelho vizinho, uma taça se foi lindamente. Peço mais uma, seguindo o mesmo ritual.

Quando faltar 1 hora para o sol nascer, vou pedir a conta, pagar, ir rapidamente ao banheiro e me retirar deste estabelecimento. Eu sou uma mulher atraente enquanto o sereno preenche o ar, enquanto o vento faz barulho e assusta os insones, então vou
me equilibrar nestas duas pernas que já foram tão firmes durante longas corridas debaixo de um sol escaldante e seguirei a pé até a sua casa.

Você não tem ninguém ao seu lado esta noite e acho isso o maior crime do espaço sideral. Porque você é um homem atraente. Ou melhor, não sei muito bem, porque os meus julgamentos sempre são tão contrários aos dos presidentes da república e editores de revistas infanto-juvenis... Pra ser sincera, talvez você seja horrível, talvez a feiúra e a falta de charme e de modos sejam suas marcas registradas, mas não estou em condições de te avaliar. Existe entre nós dois um muro que me impede de te ver realmente, independentemente do que faça. Você está numa bolha de cristal e eu a seguro em minhas mãos sempre que a alcanço, mas você escorrega e cai num mar de plumas, onde pode quase flutuar.


Sim, estou apaixonada por você, Estevão. Ou Roberto, Pedro, Fabrício, João, sei lá que nome eu invento! Estou apaixonada por alguém que não é mais ninguém além do alguém que você é. Isso já basta. Sem nome, sem idade, sem cor, sem cabelo, sem sequer pensar no tamanho do seu pau. Sem nada. Apaixonada, completamente. Entregue como uma oferenda à Mãe Iemanjá. Deixada no oceano escuro e revolto em uma noite iluminada apenas pela lua. Sou um bebê deixado à sua porta numa madrugada de terça ou quinta, ainda com o cordão umbilical pendurado. Sou como um filhote nascido em cativeiro e rejeitado pela mãe. Eu preciso de cuidados.

Beijos nos pulsos, nas pontas dos dedos, mordidas nos pés, carinhos levemente imperceptíveis no rosto, passando pelas sobrancelhas, parando para um beijo leve na ponta do nariz, sorrindo com doçura, beijando meu colo quase sem fazer barulho, então me apertando contra o próprio corpo, me imprensando em alguma parede que pode me arranhar, mordendo minha nuca pra deixar marca, chupando minha língua, envolvendo sua cintura com minhas coxas, tirando meus pés do chão quando meus pensamentos já estão há tempos no céu, abrindo minha blusa e enfiando seu rosto entre meus peitos, me ouvindo ultrapassar a fase dos suspiros, lutando para conseguir me ouvir gemer, conseguindo a cada milésimo de segundo me fazer te querer ainda mais...

E eu sonhando para que fosse possível te pôr inteiro dentro de mim, idealizando antes do gozo a possibilidade de abrir minhas portas para que vivesse em meu interior pra sempre, sendo mais do que meu, sendo eu. Você soa e eu acho impossível o fato de com isso, acabar sentindo ainda mais prazer, então ambos suamos. De desespero, de agonia, da maior felicidade que o mundo pode proporcionar longe da solidão, suamos porque eu estou sendo inteira sua, sem cogitar que posso estar tendo apenas um delírio de uma magia a dois. Então nos fundimos, como se por segundos, fossemos um de dois pra sempre. E eu reaprendo a matemática do amor, ao sentir no fundo do peito o que só as mulheres podem sentir. Sentindo o dois que éramos, sentindo o um que nos tornamos e o três que nos transformamos. Eu a casa, você o visitante e também lá dentro, o proprietário: Bendito o fruto que brotará do meu ventre.

De repente eu acordo, num susto. Estou deitada em minha cama, sem uma peça de roupa sequer, então começo a rir sozinha. Não há ninguém ao lado, não ouço ninguém falar por perto. Mas então eu acaricio minha barriga e pergunto ao pássaro na janela: “Sonho?”. Ele canta. Eu sei que não.